Artigo publicado por Silvia de Almeida Barros e Rodrigo Perrone

A discussão a respeito do vínculo de emprego entre os motoristas e as empresas de aplicativos (Uber, Rappi e Ifood) ganhou recentemente mais um capítulo com a decisão do STF em pautar para fevereiro de 2024, o julgamento em plenário da RCL 64018, a respeito do tema.

Os Ministros do STF irão analisar uma decisão proferida pelo TST que reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e o Rappi.

Referido julgamento pretende uniformizar a jurisprudência a respeito da matéria, isto porque em diversas decisões já proferidas pelas Turmas do STF, essas entenderam não haver vínculo empregatício entre os motoristas e as plataformas.

De acordo com o entendimento da maioria dos Ministros, a relação entre os motoristas e as plataformas enquadra-se em novas modalidades de trabalho, e que para esses casos devem ser aplicados os precedentes da ADC 48, ADPF 324 e RE 958.252, os quais consideram lícita qualquer espécie de terceirização.

Nesse sentido, os motoristas seriam microempreendedores. E, portanto, não haveria de se falar em vínculo de emprego com essas plataformas, isentando-as, de qualquer  pagamento de direitos trabalhistas.

Com efeito, tal entendimento contraria a posição de algumas Turmas do Colendo TST, cujas decisões entendem que a relação entre os motoristas e as empresas de aplicativos configuram uma fraude, com o claro objetivo de não se pagar os direitos trabalhistas.

Ampliando a polêmica, a Procuradoria Geral da República mudou sua posição por meio do seu novo procurador Paulo Gonet, para o qual as decisões do TST encontram-se em dissonância com os precedentes do Supremo a respeito da matéria.

A discussão é acirrada, pois o próprio STF admitiu que a ausência de direitos trabalhistas para esses trabalhadores irá causar um enorme problema social e previdenciário no futuro, porém deixou claro que não cabe ao Tribunal atuar em questões legislativas, sendo tal pensamento explanado pela Ministra Cármem Lúcia quando apreciou reclamação trabalhista contra a decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, que havia reconhecido o vínculo de emprego entre um motorista e a empresa Cabify, afirmando que:

“Nos preocupamos com esse modelo, o que não significa adotar o modelo da legislação trabalhista como se fosse uma forma de resolver. Não tenho dúvida de que, em 20 anos ou menos, teremos um gravíssimo problema social e previdenciário. As pessoas que ficam nesse sistema de “uberização” não têm os direitos sociais garantidos na Constituição por ausência de serem suportados por uma legislação”. (RCL 60347)

Outrossim, há muitos juristas que entendem pela existência da fraude dos direitos trabalhistas, pois a relação entre os motoristas e esses aplicativos preenchem os requisitos previstos na legislação, no caso o disposto no Art. 3º da CLT, quais sejam, a subordinação, a onerosidade, a pessoalidade e a habitualidade. E nesse contexto, aplica-se, o Art. 9º da CLT, para se reconhecer a fraude e consequentemente, o vínculo empregatício. 

Ademais, entendem que esta matéria sequer deveria estar sendo apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, haja vista que cada caso é um caso e esses casos devem ser analisados individualmente, não podendo se generalizar, logo, trata-se de matéria fática, a qual não pode ser apreciada pelo Excelso Tribunal, pois esse ter apenas competência para analisar matérias de direito.

Ainda para complementar este quadro fático, o Governo está se reunindo com representantes dos motoristas e dos aplicativos para um acordo e assim, criar uma legislação específica, a qual garantiria alguns direitos trabalhistas a esses trabalhadores, mas não a todos. 

Importante relembrar ainda que vários países já enfrentam essa questão, como por exemplo a Inglaterra, cuja Corte Superior reconheceu que esses motoristas são trabalhadores e devem possuir direitos mínimos. (case n. 2202550/15).

Portanto, para concluir, é polêmica a discussão a respeito do vínculo empregatício entre motoristas e os aplicativos, e esse julgamento no STF em fevereiro de 2024, será importante para uma definição deste tema.

Artigo originalmente publicado em: https://www.migalhas.com.br/depeso/401507/vinculo-de-emprego-entre-motoristas-e-aplicativos

Silvia de Almeida Barros
Advogada, especialista em relações do trabalho, sócia do Almeida Barros Advogados.

Rodrigo Perrone
Advogado, especialista em relações do trabalho, sócio do Almeida Barros Advogados.